Pai,
Lembra quando eu queria morar com o senhor? O senhor me disse que iria pensar no assunto e eu acreditei. Afinal de contas, pais são como heróis: não erram, não mentem e estão sempre ali para te salvar. Contudo, passaram-se dois anos e não houve resposta. Eu poderia pensar que eu não era importante, mas um pai sempre gosta do seu filho. Lembra quando nos dois anos seguintes eu, insistentemente, pedia para me levar para a sua casa e por fim consegui. As suas palavras – Pronto! Conseguiu o que queria – secas poderiam ter me chateado. Mas os pais refletem o que receberam dos pais deles. Lembra-se de quando eu estava ouvindo som alto e você me disse – você não está na sua casa! – eu poderia ter me sentido deslocado, rejeitado e até mesmo sentir vontade de voltar para a MINHA casa (mamãe dizia NOSSA casa). Quis continuar com você, pois os pais, quando brigam conosco, é sempre para o nosso bem. Lembra de quando me falava do vovô, dizendo que ele não havia sido um bom pai, que não sabia dos seus gostos, que só brigava com você, que não te dava muita atenção? Fiquei com pena de você. Acho que me identifiquei um pouco com a situação. Quis lhe dizer que os pais sempre amam seus filhos, mas nem mesmo eu tinha certeza disto. Eu queria cantar e tocar violão como você, talvez como uma maneira de ficar perto mesmo que 1000k nos separassem. Mas o senhor alertou-me sobre minha falta de talento musical. Obrigado.
Eu me lembro de quando me comparava com os garotos que brincavam o dia todo na rua – Você precisa sair da frente deste computador, destes livros e parar de desenhar um pouco. As crianças saudáveis estão na rua brincando. Você não é normal! – e como eu me sentia mal. Estava chateado por não ser o filho que você merecia. Mas afinal, os pais sempre desejam que seus filhos sejam/ tenham o melhor. Também me lembro de quando as comparações eram em relação ao meu irmão mais velho. Sentia-me pequeno, impotente e não merecedor de elogios. Como eu queria ter a metade das qualidades do mano. Mas sei que os pais só nos comparam a outros para nos fazer evoluir. Lembro dos erros, dos meus inúmeros erros. Como tinha medo de cometê-los. Quando o senhor dizia que não gostava de algo que eu fazia, imediatamente eu mudava a direção. Quando acreditei que estava no caminho certo me chamou de inconstante de mais – Você não consegue levar nada adiante! É inconstante! Não se preocupa com nada além de você mesmo – e eu abaixava os olhos com vontade de chorar, daí lembrava-me de quando ganhei o meu primeiro “tapa na cara” e do que disse após o ato de correção – Para de chorar! Você é um homem ou é um rato? Confesso que muitas vezes desejei ser um rato. Mas sabia que se eu ainda não era um homem, você iria me ensinar.
Não agüentei a frustração de não ser um bom filho e resolvi voltar para a MINHA casa. Mamãe me disse que tudo que havia ocorrido durante o ano que passei ao seu lado havia sido um grande aprendizado e que Deus havia me dado a oportunidade de conhecer meu Pai. Talvez eu não tivesse maturidade naquela época para perceber que suas intenções eram “as melhores”. Quando se mudou pra um local mais longe, quando parou de ligar todas as semanas, quando esqueceu meu aniversário e quando deixou de mandar a pensão, percebi que quisera me ensinar grandes valores da vida: Os pais muitas vezes erram, mas isto não significa que eles não nos amem; apenas não sabem como o amor expressar.
Ainda tenho esperança de: aos 21, ganhar aquele violão que me prometera aos quatorze; que venha, fora de eventos como casamentos e formaturas de parentes, passar alguns dias comigo e com meus irmãos; que você fale sobre sua vida; que você converse sem pressa ao telefone; que possa nos conhecer melhor; que possa entender que filhos continuam filhos após os dezoito e que toque mais um vês a música da onça pintada.